Heteroidentificação

Olá, colegas cacdistas, eu imagino que alguns entre vocês que estão aqui no clipping já tenham feito a heteroidentificação, eu queria uma ajuda de vocês.
Hoje foi publicado no DOU o resultado da heteroidentificação do PAA 2024/2 e mais uma vez não me reconheceram pardo, ao menos na decisão preliminar, e cara, eu fico realmente revoltado com essa situação super subjetiva de reconhecimento de etnia. A maneira como se faz a avaliação claramente vai contra o edital, de acordo com o qual deveria ser uma decisão baseada unicamente pelo fenótipo.
“6.10. A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para
aferição da condição declarada pelo candidato no CACD 2023.”

Para quem nunca passou pela banca de heteroidentificação, eles te chamam em uma sala e você vai ter de, basicamente, convencê-los de que é pardo, pode ser que a entrevista dure mais de 20 minutos. Não há nenhuma avaliação fenotípica rigorosa, fica-se distante dos comissários o tempo inteiro. Além disso, não há nenhuma balisa para garantir essa objetividade, como um espectrofotômetro, aqueles aparelhos que se usa para avaliar a cútis em clínicas de depilação a laser; ou modelos, impressos ou vivos, de diversas etnias; ou ainda um antropólogo de formação, um dermatologista também poderia ser interessante para operar o espectrofotômetro e fazer um exame fitzpatrick ali, sabe. Alguma coisa pra garantir uma avaliação minimamente objetiva.

Eu uso aquela pergunta mais aberta deles pra explicar que em todos os espaços que eu frequentei fui reconhecido como pardo, mas parece que isso não é suficiente, o que é que os comissários querem ouvir? Como foi a entrevista de vocês?
Enfim, a impressão (que fica a cada heteroidentificação mais reforçada) é que eles querem fazer uma avaliação socioeconômica ao invés de fenotípica.


imagem para dar uma ideia do fenótipo - meu objetivo tá lentamente se movendo de estudar pra encontrar advogados bons que possam desmontar os moldes atuais da comissão.

Cara, entra em contato comigo, tenho muito pra falar sobre. 62 99152 2203

Opa, te chamei lá. Mas eu estava pensando que seria uma boa a gente construir esse corpus de dicas e críticas aqui, principalmente pro pessoal que está chegando agora ter uma noção do negócio.

Bom dia!

Obviamente, essa é uma discussão polêmica e muito delicada.

Longe de mim julgar quem é ou não é pardo, mas acho que cabe a avaliação entre “ser pardo” e “ser pardo para fins de ações afirmativas”, porque sem esse recorte é complicado incluir os pardos dentro das ações afirmativas, sabe?

Eu participei da heteroidentificação duas vezes, ambas neste ano. Não achei que eles fizeram qualquer tipo de avaliação socioeconômica. Acho que as perguntas foram uma oportunidade pra você compartilhar sua experiência do ponto de vista racial.

Por fim, com todo respeito do universo e além, eu estive lá no mesmo dia que você, tanto no início do ano quanto nesta semana. Eu não te leria como pardo para fins de ações afirmativas. Minha leitura enquanto ser humano em uma sociedade racista, ok? Sem testes dermatológicos e afins.

Bom dia, poxa, da última vez que colocaram a gente na biblioteca foi bem mais legal né? deu pra interagir mais como grupo - desta vez eu nem reconheci ninguém, mas enfim. Obrigado pela honestidade, cara. Me parece que tem muito disso mesmo - “será que você é … pardo o suficiente pra ser considerado pardo em um PAA?”.
Sobre minha teoria, que teria um viés socioeconômico forte, é só mesmo um chute, seria necessário fazer uma pesquisa aprofundada pra ter uma ideia melhor.

Algo que me incomoda profundamente, todavia, é esse olhômetro, pois veja, ser um … sei lá, moreno claro? em espaços em que ninguém tem melanina alguma, isso imediatamente te racializa, tal qual alguém com uma cútis mais escura que frequenta espaços mais democratizados. Ademais, uma boa parte de nós, candidatos do CACD, frequentou esses espaços formativos extremamente reservados pra elite branca, fazendo com que mesmo alguém que não tenha tantos traços ‘negróides’ pronunciados tenha sido racializado ao longo de sua educação básica e superior, que é exatamente o momento de formação da identidade do camarada.
Eu tentei usar o tempo que me foi dado para retratar exatamente isso, mas não fez diferença alguma, vamos ver se a comissão recursal vai considerar isso válido.

Ainda temos a ADC 41 do STF, de acordo com a qual as comissões serviriam apenas para identificar flagrante fraude, e que em todos os casos ambíguos dever-se-ia respeitar a autodeclaração - bom, o sistema atual da comissão do IRBr não me parece funcionar desta maneira.
Obrigado por favorecer essa discussão aqui, colega, me parece importante para deixar os incautos avisados que para garantir aprovação nessa comissão é necessário mais do que ser apenas não-branco, uma nova categoria vai sendo criada, na prática vamos sendo atirados em um limbo.

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Também achei que na biblioteca a gente conseguiu interagir melhor!

Vou relatar a minha experiência.
Estar diante do comitê foi algo que mexeu emocionalmente comigo. Especialmente no início do ano, eu respondi vários dependes… compartilhei que me ver como uma mulher negra era algo relativamente recente, que meus pais não me consideram uma negra, e que eu só me percebi negra quando me mudei pra BSB, nas poucas vezes que eu fui para o Sul do Brasil ou que viajei pra fora. Por outro lado, relatei minha experiência na área de TI e que eu sempre achei que meus perrengues estavam restritos a uma questão de gênero, mas que eu só tive algumas respostas quando incluí a perspectiva racial.

Eu fui bem sincera quanto a não saber como me definir e quanto ao meu amadurecimento enquanto mulher negra de pele clara. Depois de levar essas questões pra terapia, respondi com mais segurança emocional desta última vez.

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Minha experiência na primeira heteroidentificação foi bem mais traumática também, eu não tinha a menor ideia de como seria a avaliação, acabei tendo muita dificuldade em comunicar essa trajetória e o desenvolvimento de minha identidade - como que fui racializado em diversos espaços e em quais isso não aconteceu, no caso parte da minha família também não me vê como pardo, mas enfim, nesta segunda vez foi bem mais tranquilo. A própria comissão acaba sendo um momento crítico pra a gente se entender melhor.

Eu teci várias críticas aí a comissão, mas gostaria de deixar aqui uma observação positiva - a iluminação da gravação está bem melhor, no início do ano a minha estava com sombras, acho que isso é muito importante para a comissão recursal avaliar, já que eles só terão esse acesso virtual.
Deixo foto de referência da mesa em que nos avaliam.

Oi, Augusto!

Esse é realmente um tema bem polêmico e que eu acho muito interessante.

Eu sou mais clara que você, mas vou te dar a minha perspectiva: eu achava que pra uma pessoa ser branca, ela tinha que ter aquele padrão bem caucasiano, sabe? Pele muito alva, nariz afilado, lábios finos…

Eu não me enquadro nisso, minha pele é morena clara, minha família sempre me chamou de “morena jambo”, minha família tem mistura de brancos, indígenas e negros, então quando eu comecei a jornada de concursos públicos, eu me identificava como parda, porque realmente não me via como branca.

Mas ao mesmo tempo eu sempre escolhia a opção de não concorrer pelas cotas, porque eu tenho consciência que as cotas raciais devem ser destinadas a pessoas que realmente sofrem com racismo e isso nunca me ocorreu. Pra completar, tem a questão de o pardo ser enquadrado como negro para o IBGE, e eu sei que estou muito longe de ser negra (sobretudo na Bahia, onde moro).

Comecei a ler sobre isso e aprendi que, assim como os negros tem “cores” (colorismo), o branco também tem. Não precisa ser branco-escandinavo pra ser considerado branco (como eu achava hahaha).

E tendo em vista que quase metade do Brasil se identifica como pardo, a pergunta que todo mundo deve fazer não é “será que eu sou negro?”, mas “será que eu sou lido como negro para fins de cotas raciais?".

Não me leve a mal, mas EU não te leria como negro para fins de cotas raciais. Como Lívia Sant’anna Vaz fala em seu livro “Cotas Raciais”, eu te leria como um “pardo branco”, porque você tem muita passibilidade. Lembrando que eu moro em Salvador (cidade mais negra fora da África), então provavelmente a visão de um gaúcho pode ser diferente.

Por fim, vou deixar um trecho do livro de Lívia, que não sei se você já leu, mas é legal porque dá uma clareada no assunto. Obs.: pelo amor de Deus, eu não tô dizendo que você é fraudador!!!

“Segundo a classificação por raça/cor do IBGE, temos quatro categorias: brancas/os, amarelas/os, indígenas e negras/os, esta última categoria formada por pretas/os e pardas/os. Nesse aspecto, notamos uma verdadeira confusão nos pedidos e decisões judiciais sobre cotas raciais. Muitas/os candidatas/os que recorrem ao sistema de justiça para garantir o acesso às vagas reservadas afirmam que, embora não sejam negras/os, são pardas/os.

Ora, se refutam a condição de negra/o, tais candidatas/os também não deveriam pleitear o status de cotistas. “É que, quando uma pessoa afirma ‘não sou negro, mas sou pardo’, significa dizer que não se reconhece como negra/o, embora acredite haver na subcategoria pardo uma brecha para sua aprovação pelo sistema de cotas”.

Nesse caso, vale-se exclusivamente da cor de sua pele (parda) que, na realidade, isoladamente considerada, não resulta na sua percepção social como uma pessoa negra.

Ora, as cotas raciais – independentemente das críticas que possam ser direcionadas à classificação do IBGE – tem como destinatárias/os as/os pardas/os negras/os e não as/os pardas/os socialmente brancas/os, o que exige que a cor da pele seja associada às demais marcas ou características que, em conjunto, atribuem ao sujeito a aparência racial negra. É preciso pontuar, no entanto, que pode haver fronteiras fluidas na percepção social a respeito da raça de um indivíduo, sobretudo no caso dos pardos claros, limítrofes entre as categorias negro e branco.
De todo modo, entendemos que parcela significativa das dúvidas razoáveis pode ser afastada a partir da análise do conjunto de características fenotípicas das/os candidatas/os – em especial, a cor da pele, marcador preponderante –, consideradas nos contextos relacionais locais.”

Vaz, Lívia Sant’Anna. Cotas raciais (Feminismos plurais) (Portuguese Edition) (pp. 111-112). Editora Jandaíra. Edição do Kindle.

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Bom dia, Luísa, você explorou uma dimensão, de fato, muito interessante, inclusive - me armar com as ideias da Lívia Sant’Anna parece uma ótima ideia. Obrigado pela recomendação.
Pensando pelas lentes do colorismo e como a experiência de cada cor em cada contexto afeta o indivíduo adiciona uma nova camada de análise, realmente, fosse baiano e tivesse meus espaços de socialização na Bahia, acredito que neste caso eu não me sentiria legitimado nessa reivindicação aqui.

Acaba que é uma questão particularmente multidimensional, quer dizer, existe uma faceta legal, uma antropo-fenomenológica, uma administrativa e uma outra histórica - e todas deveriam ser consideradas na avaliação, por exemplo, conquanto a ideia contida em sua exposição deva ter centralidade, me parece relevante que a comissão desse igual centralidade à dimensão legal, para evitar essa taxa de judicialização que beira 70% - pelo entendimento do STF, particularmente do Barroso (que foi acompanhado por toda a turma de maneira unânime), a função da comissão seria apenas “identificar os casos de certeza negativa, casos de flagrante fraude, pois em todos os casos que houver dúvida dever-se-ia respeitar a autodeclaração” eles se pronunciaram sobre isso em 2017 quando da ADC 41. Também há a dimensão econômica e histórica, pensando na ideia de dívida histórica que está na raiz desta política pública, quer dizer, a persistência da pobreza em famílias de origem negra perpassa todos os miscigenados.

Pensando nisso tudo uma outra vez aqui, me parece que deveria-se reestruturar essa comissão para permitir mais dissenso entre os comissários, e que o voto fosse secreto - de maneira que os casos em que houvesse dúvida ficassem devidamente registrados administrativamente, harmonizando esse processo administrativo com o judiciário. Isso provavelmente reduziria a demanda por judicialização.
Eu concluiria com a seguinte impressão, que formei agora desta conversa, me parece que existem tensões principalmente entre a interpretação jurídica do que é o pardo, e essa formação mais voltada pra avaliação que eu chamei de antropo-fenomenológica dos comissários. Consigo observar essa tensão entre as partes do meu processo, que está a colher os depoimentos dos comissários da heteroidentificação de fevereiro deste ano.
Vou, todavia, persistir nesta empreita. Tendo sido racializado na ampla maioria dos espaços em que estive, em que pese que não tenha sido vítima frequente daquele racismo mais perverso, eu vou continuar brigando para ser reconhecido administrativamente como pardo.
Muito obrigado outra vez por compartilhar seu relato, recomendação e as ideias, eu acredito que esse post pode vir a ser muito útil para outros colegas.

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Que bom que te ajudei de alguma forma!
E eu concordo com você: é preciso unificar as interpretações jurídica, social e administrativa (IBGE) do que é ser pardo. No caso de um concurso federal, em que não temos como medir o contexto local, fica ainda mais difícil.
Uma vez eu me deparei com um instagram (@parditude) que falar sobre o “ser pardo” e eu achei interessante, talvez possa te ajudar a contestar a decisão da banca.
Outra coisa proveitosa seria falar com diplomatas que passaram pelas cotas e que são pardos assim como você. Vi recentemente uma live da profa. Selene Candian com aprovadas no CACD que fizeram parte da Mentoria Mônica Menezes (mentoria gratuita para candidatos negros). O link é: https://www.youtube.com/watch?v=B27fiHOIulw&t=3074s
Te desejo sorte!

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Obrigado, Luísa, acredito que precisarei da fortuna do meu lado mesmo.

Pois é, meus amigos, a comissão recursal nos enviou o resultado hoje - eles não aceitaram o recurso de ninguém.
Salvo engano, é a primeira vez que isso acontece desde que eu acompanho os editais, o que faz pelo menos seis anos.

Eu entendo que, mesmo entre a comunidade CACDista, provavelmente haveria grande debate sobre quem é pardo tendo em vista ações afirmativas e quem não é. Entretanto, o que é realmente frustrante é a falta de objetividade - o chamado “parecer motivado”, que eles nos enviam, é vazio, apresentando apenas o resultado.

É um claro atentado contra o princípio da ampla defesa e contraditório. Terrível falta de transparência. Nós, na prática não sabemos por que não fomos habilitados, sabe, quais características fenotípicas foram julgadas insuficientes?
Qual é o método avaliativo? Há um escore e cada característica rende certa pontuação? O contexto que nós apresentamos na entrevista tem alguma relevância?
Nada se sabe, essa falta de informação talvez seja pior do que o resultado negativo.

@Augusto você consegue dar mais detalhes sobre as perguntas que lhe foram feitas pela banca? Pensando no objetivo de ter um “corpus de dicas e críticas aqui”, como você disse, essas informações poderiam trazer ainda mais clareza sobre os procedimentos da banca de heteroidentificação.

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Boa noite, certamente, eu deveria já ter incluido essa informação.
Eles perguntam: 1. Como a sociedade te enxerga; 2. Como você desenvolveu sua identidade; 3. Por que você se concorreu como negro no certame; e, de vez em quando, perguntam 4. O que você pensa sobre as políticas de ação afirmativa do IRBr.
Acho que são essas quatro, mas depois eu verifico no vídeo.

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