O equívoco do gabarito entra pelos olhos, e uma análise perfunctória da explicação apresentada nos basta para chegar a essa conclusão. Na conclusão, o Bot afirma:
‘‘A afirmativa reflete fielmente o contexto histórico pós-década de 1970, caracterizado pelo aumento significativo da riqueza global, sobretudo no setor privado, e pela redução relativa das receitas públicas devido a políticas econômicas neoliberais.’’
Bem vistas as coisas, isolodamente considerada, a afirmação acima já seria suficiente para infirmar o gabarito. Afinal, é tão vaga que nada dela se pode extrair. Que índices foram utilizados nessa análise? PIB? PIB per capita? IDH? Coeficiente de Gini? Mas não é só: redução das receitas públicas em qual região do globo? Qual continente? Qual país, pelo menos? Também não sabemos, eis mais um mistério da fé. De qualquer forma, parece temerário (se não verdadeiramente absurdo) afirmar que, universalmente, observou-se um aumento da riqueza global (novamente, por qual métrica não sabemos), enquanto as receitas públicas foram reduzidas. Ora, receita pública de qual país? Butão? Nepal? Canadá? Bahamas? Afinal, o globo terrestre é bastante amplo, e ouso dizer que não são poucos os Estados que nele existem.
Seja como for, o argumento até aqui apresentado é meramente tangencial. Adiante à verdadeira pièce de résistance:
‘‘Posteriormente à década de 70 do século XX, a riqueza no mundo atingiu altos patamares, o que possibilitou o aumento exponencial do financiamento de atividades culturais e artísticas, tendo sido, entretanto, toda essa riqueza global direcionada para o setor privado em detrimento das receitas públicas.’’
Não acredito seja necessário grande esforço intelectual para demonstrar a teratologia patente da afirmativa acima. Ora, se a conclusão apresentada no gabarito errava pela vagueza, aqui, o erro resplandece à plena luz do dia: ‘‘toda essa riqueza global direcionada para o setor privado em detrimento das receitas públicas’’. Do ponto de vista lógico, se assumirmos como verdadeira a proposição de que TODA a riqueza foi direcionada para o setor privado, então, necessariamente, NADA foi para o setor público. Naturalmente, admitir isso como verdade seria uma sandice, seja porque: a um, a cobrança de impostos (ainda que possivelmente reduzida por políticas fiscais neoliberais) conduziu riqueza aos cofres públicos; a dois, não sabemos às receitas de qual país, em qual ano fiscal, estamos nos referindo.
Por fim, mas não menos importante, uma rápida pesquisa sobre a relação e evolução de gastos e despesas do governo americano (exclusivamente pela relevância da indústria de Hollywood no setor cultural, citado pela questão) demonstra que não houve, diferentemente do afirmado no texto do item e na conclusão do gabarito, redução das receitas públicas nas últimas décadas do século XX. Ao revés: o crescimento das receitas foi praticamente ininterrupto ao longo da segunda metade do século XX, atingindo seu ápice histórico no ano 2000.