Questão 6 item 2 - (Português - 1a Fase - CACD 2024). Da leitura do segundo parágrafo conclui-se, consid

Enunciado:

Quando os jornais anunciaram para o dia 1.° deste mês uma parede de açougueiros, a sensação que tive foi muito diversa da de todos os meus concidadãos. Vós ficastes aterrados; eu agradeci o acontecimento ao céu. Boa ocasião para converter a cidade ao vegetarianismo.

Não sei se sabem que eu era carnívoro por educação e vegetariano por princípio. Criaram-me a carne, mais carne, ainda carne, sempre carne. Quando cheguei ao uso da razão e organizei o meu código de princípios, incluí nele o vegetarismo; mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro. Era a sorte humana; foi a minha. Não importa, o homem é carnívoro.

Deus, ao contrário, é vegetariano. Para mim, a questão do paraíso terrestre explica-se clara e singelamente pelo vegetarismo. Deus criou o homem para os vegetais, e vegetais para o homem.

Enfim, chegou o dia 1.° de março; quase todos os açougues amanheceram sem carne. Chamei a família; com um discurso mostrei-lhe que a superioridade do vegetal sobre o animal era tão grande, que deviámos aproveitar a ocasião e adotar o são e fecundo princípio vegetariano.
Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue; todas as variedades das plantas, que não berram nem esperneiam, quando lhes tiram a vida.Convenci a todos; não tivemos almoço nem jantar, mas dois banquetes. Nos outros dias a mesma cousa.

O vegetarismo é pai dos simples. Os vegetarianos não se batem; têm horror ao sangue. Eu não me dou por apostólo único desta grande doutrina. Creio até que os temos aqui, anteriores à mim, e, - singular aproximação! - no próprio conselho municipal. Só assim explico a nota jovial que entra em alguns debates sobre assuntos graves e gravíssimos.

Machado de Assis. Carnívoros e vegetarianos. In: A Semana, 1892 (com adaptações).

Considerando as ideias e os aspectos linguísticos do texto V, julgue (C ou E) os itens subsequentes.

Texto do item:

Da leitura do segundo parágrafo conclui-se, consideradas a estrutura narrativa da crônica e a sequência temporal empregada no primeiro período desse parágrafo, que a oração “eu era carnívoro”, apesar da flexão verbal no pretérito imperfeito do indicativo, pode ser interpretada como correspondente ao presente do indicativo.

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Errado.

No segundo parágrafo, a oração "eu era carnívoro por educação e vegetariano por princípio" utiliza o pretérito imperfeito do indicativo ("era") para indicar um estado habitual no passado. O narrador está relatando que, ao longo de sua formação ("por educação"), ele foi carnívoro. Esse tempo verbal retrata uma ação contínua ou repetitiva no passado, sem referência direta ao presente.

A narrativa prossegue evidenciando a transição temporal ao mencionar: "Quando cheguei ao uso da razão e organizei o meu código de princípios, incluí nele o vegetarianismo; mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro." Ou seja, apesar de adotar princípios vegetarianos, ele admite que permaneceu carnívoro. O uso do pretérito perfeito composto ("Fiquei carnívoro") reforça a conclusão de uma ação no passado que perdura.

Portanto, a interpretação de que a oração "eu era carnívoro" possa corresponder ao presente do indicativo ("eu sou carnívoro") não é coerente com a estrutura narrativa e a sequência temporal estabelecidas. O narrador está distinguindo claramente seu estado passado (ser carnívoro por educação) de suas convicções posteriores, embora reconheça que não as implementou.

Assim, a afirmação é incorreta, pois desrespeita a temporalidade expressa pelo pretérito imperfeito, que, neste contexto, não pode ser interpretado como presente do indicativo.


Comentário automático feito pela inteligência artificial do Clipping.ai apenas para referência. Comentários dos nossos professores virão a seguir.

1 curtida

eu concordo com o BOT aqui.

não tem como dizer que o autor está falando que é carnívoro, e sim que ele foi. Ele até narra, no decorrer do texto, que ele adotou os princípios dele e que “nos outros dias a mesma cousa” e “não me dou por apóstolo único desta grande doutrina.”: isto é, ele não é carnívoro nesse momento, ele foi. E ele fala que foi carnívoro por educação, e vegetariano por princípio. Essa “educação” não mais seria necessária a partir do momento em que ele convence a família dele a uma dieta vegetariana.

não tem como inferir que com “fui carnívoro” ele quis dizer “sou carnívoro”.

não entendo como o gabarito oficial entendeu que essa afirmativa está correta.

1 curtida

Discordo do bot; gabarito correto.

Quando estamos falando do INDICATIVO, a flexão verbal no pretérito imperfeito pode sim ser interpretada como correspondente ao presente do indicativo. E isso é típico de textos em que se percebe uma tentativa de aproximação entre autor e leitor, pois reflete oralidades típicas de uma conversa cotidiana, na qual é muito comum utilizarmos o INDICATIVO quando a gramática impõe que deveríamos usar o SUBJUNTIVO. Vou dar dois exemplos.

  • "Não sabia que ele era cruzeirense" → Aqui flexionamos o verbo no pretérito imperfeito, mas a interpretação é no sentido da pessoa SER cruzeirense, ou seja: “não sabia que ele é cruzeirense” (acaba que ninguém fala assim).
  • “Eu achava que a Próspera era uma loteria…” → Exemplo dado por Rosemary Domingos. Aqui também é óbvio que flexionamos no pretérito quando o “tempo de leitura” é no presente (conforme demonstrado pela gramaticista Inês Duarte).
  • “A prova não era hoje…?”
1 curtida

Na minha opinião, o trecho “mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro” reforça a ideia de que é possível fazer essa interpretação, pois dão a ideia de que não tinha mais jeito e o narrador permanece(u) carnívoro.

1 curtida

De fato nesses exemplos que você deu, temos uma ideia de presente. Mas o segundo verbo está no imperfeito porque o primeiro também está. Se você usasse o presente do indicativo na primeira oração, a segunda novamente seguiria o mesmo tempo verbal: “não sei se ele é cruzeirense.” Nao é o caso do texto: “não sei se sabem que eu era carnívoro”; além disso, temos todo o contexto que reforça a ideia de algo ocorrido no passado.